quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

O começo do começo

Este post fala sobre a ocupação do território de Quadra e seus arredores, entre os anos de 1800 e 1821, mais ou menos.
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Lá pelo final dos anos de 1700 e começo dos anos de 1800 começaram a ser doadas sesmarias na região de Quadra. Provavelmente em regiões das sesmarias não ocupadas pelos Campos Bicudo e que devem ter sido tomadas ao Governo Português, e que, provavelmente, já estavam habitadas por algumas famílias.
As sesmarias são as seguintes, tal qual está escrito no livro “Repertório de Sesmarias”, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, por ordem de doação:
· Antônio Bicudo de Barros. Três léguas de terras de testada, não excedendo uma de fundo no destricto da Villa de Sorocaba. Uma campina rodeada de matos, principiando das Pederneiras Pretas até testar com o mato de Cahajurú e tem de largura em algumas partes meia légua e nas mais muito menos exceptuando onde faz um braço ou reçaca que faz uma restinga de Campo que terá uma légua, cuja campina né distante da dita Villa de Sorocaba 18 leguas pouco mais ou menos. (L. 16, fl. 13);
· Matheus da Silva Bueno, Tenente Coronel - légua e meia de terras de testada com duas de sertão, no termo da Villa de Itapetininga, no ribeirão das Pederneiras Pretas, principiando o primeiro padrão donde finda o campo do Payol da parte de baixo e na volta que faz o dito ribeirão das Pederneiras a fazer barra no Ribeirão do Tatuhy, descendo para a direita, e no ponto desta volta subindo o ribeirão das Pederneiras é que deve principiar a testada e os fundos para o Norte (L. 40, fl. 170 v).
· Luiz Almeida Moura, Antônio Rosa Oliveira, Antônio Bernardo Azevedo Camello, Bento Antunes Camargo, Bento Mascarenhas Camello (capitão) e Manoel Paes - moradores em Sorocaba - Uma légua de terras de testada e uma de fundo, no districto da Villa de Itapetininga, principiando a testada no logar da posse de Antônio da Rosa, na margem das Palmeiras, ribeirão acima a rumo direito de OesSudueste e sem fazer menção das voltas e as tres leguas de fundo a rumo de Nor noroeste, que atravessa o rio Guarapó (L. 41, fl. 14);
· José Amaral Gurgel, tenente, Alexandre Caetano Tavares, Antônio de Mascarenhas Camello, Domiciano Azevedo, Caetano Thomaz de Aquino e José Mascarenhas Camello - moradores em Sorocaba, uma légua de terras de testada e três de fundo no termo da Villa de Itapetininga, no logar chamado Guararapó, principiando o rumo do Ribeirão das Palmeiras; onde finalisar a sesmaria que na mesma ocasião pediu Luiz de Almeida e outros, correndo a legua no rumo de Oeste Sudoeste e as três leguas de fundo a rumo Nor noroeste, que vai atravessar o dito rio Guararapó (L 41, fl. 14 v);
Antes de começar a escrever alguma coisa, é importante deixar claro que o território pertencente à atual Quadra fazia parte da Villa (município) de Itapetininga, assim como tudo o que havia entre Sorocaba, desde a atual divisa de Tatuí com Iperó até a divisa com a província de Mato Grosso (naquela época não havia o estado de Mato Grosso do Sul), e da parte sul do rio Tietê até a divisa com a comarca de Curityba (nome antigo da província do Paraná, que, naquela época, fazia parte por completo da província de São Paulo), com exceção à algumas cidades já existentes no sul de São Paulo, como Minas de Apiahy (Apiaí), desmembrada de Faxina, em 1771, e a própria Faxina (Itapeva), desmembrada de Sorocaba, em 1769, tal qual Itapetininga também se desmembrou, em 1770.
Com a separação de Tatuí, em 1844, e Botucatu, em 1855, Itapetininga ficou com sua área bem reduzida, pois Tatuí ficou com sua área atual até Bofete e Torre de Pedra e Botucatu pegou todas as partes desde Pardinho até o extremo oeste paulista.
Também é importante esclarecer que “termo” significa que a terra estava longe da sede da Villa da qual pertencia. Testada é sempre a parte do terreno que é voltada para a sede da Villa, quando a “testada” já não vem descrita. Sertão é sempre o lado correspondente ao comprimento da sesmaria, perpendicular ao da testada.
Destas sesmarias, podemos supor que a primeira, conhecida como “das Pederneiras Pretas” logo deve ter ficado devoluta, pois seu dono morreu logo no ano seguinte, em 1768, e se achava, mais ou menos, no que hoje é a divisa sul de Quadra com Tatuí e até um pedaço de Guareí (rio Cahajurú).
A segunda sesmaria encontra-se pelo ribeirão das Pederneiras e deve pegar o canto sudeste e o leste do município de Quadra.
A terceira pega provavelmente uma faixa que vinha desde as cabeceiras do Aleluia (porque as terras do “falecido Antônio Bernardo” são citadas como divisa da Fazenda Guareí), pegando o ribeirão Palmeiras e o rio Guarapó, de atravessado e meio que no sentido em que eles correm.
A quarta divide com a parte sul da segunda, e seguindo o mesmo rumo.
Sobre o que podemos dizer sobre os sesmeiros de Quadra, temos o seguinte:
O Ajudante Antônio Bernardo de Azevedo Camello nasceu em 1767, em Nsa. Sra. da Victoria, no Porto, Portugal, e veio ao Brasil, para a região de Pouso Alto, em Minas Gerais. Casou-se com Anna Francisca de Jesus e teve treze filhos, dos quais o Tenente Antônio, o Capitão Bento e o Alferes José Mascarenhas Camello, mais Domiciano de Azevedo Camello, também sesmeiros, eram seus filhos.
Também é bom saber que, naquela época, ao contrário de hoje e de acordo com os costumes da Península Ibérica, era por regra colocar nos filhos o sobrenome da mãe por último, depois do sobrenome do pai. Por isso “surgem do nada”, em alguns filhos, sobrenomes estranhos e diferentes dos outros irmãos – se bem que, até o início do século passado, a confusão com o registro de sobrenomes era enorme.
Também da região de Pouso Alto vieram Manoel e Antônio Garcia Leal, irmãos do Capitão Januário Garcia Leal, o “Sete Orelhas”, que foi um terrível justiceiro da época colonial.
Fora isso, quase todos estes sesmeiros estabeleceram relações familiares:
O Alferes Bento de Antunes Camargo casou-se com Angélica Maria Mascarenhas Camello, filha do Ajudante Antônio Bernardo. Por sua vez, Domiciano de Azevedo Camello casou-se com a irmã de Bento Antunes Camargo. O Cel. Bento Mascarenhas Camello casou-se com a filha do Alferes Luiz de Almeida Moura. O Alferes Caetano de Thomas Aquino, português do Porto, casou-se com Maria Angélica de Mascarenhas Camello, também filha do Ajudante Bernardo. O Tenente José do Amaral Gurgel, irmão gêmeo de Bento do Amaral Gurgel, Capitão–Mor em Lages, Santa Catarina (Santa Catarina também fazia parte de São Paulo) casou sua filha com o Alferes José de Mascarenhas Camello.
Provavelmente Ignácio e Félix eram cunhados de Bento Antunes de Camargo – os Mendes de Camargo e Mendes de Almeida também, provavelmente, eram a mesma família.
André de Almeida Falcão foi um Legalista da Revolução de 1842, e morreu em 05/09/1842, aos 75 anos. Casou sua filha, Gertrudes Pinheiro, com o Cel. Lúcio Seabra.
Alexandre Caetano Tavares foi o Juiz-Presidente da Câmara Municipal de Sorocaba, na sessão que reconheceu D. Pedro I como Imperador do Brasil.
O Cel. Matheus da Silva Bueno – “Pae Papudo” - deu origem aos Cerqueira César e Cerqueira Leite, de Tatuí.
Manoel Paes e sua mulher, Anna Antunes (parente de Bento Antunes?) foram padrinhos do primeiro batizado registrado, em 1º de dezembro de 1822, na Capela de Nsa. Sra. do Carmo, em Tatuí.
Fora isso, os Mascarenhas Camello, que pararam em Sorocaba antes de vir à região de Tatuí, foram políticos e maçons influentes em Sorocaba.
Também há registros, em Tatuí, das famílias Pires, Coelho, Oliveira, Carneiro, Rodrigues, Martins, Ramos, Proença, Dias, Xavier, Lopes, Silveira, etc, sendo que a família Pires certamente fez parte da colonização da região de Quadra.

Vizinhos de Quadra

Temos os seguintes sesmeiros vizinhos de Quadra, fora os descritos no post “O começo do começo do começo”, que fala das partes de Guareí:
· Pedro Silva Chaves. Confirmação – Meia légua de terras de testada com uma de comprido no districto da Villa de Sorocaba, comprada a Sebastião Rodrigues Quevedo, junto da fazenda chamada das Pederneiras (L. 16, Fl. 91 v);
· Manoel Antônio de Araújo, morador nesta cidade de S. Paulo. Três quartos de terras de testada pouco mais ou menos, de matto devoluto, com légua e meia de sertão no termo de Itapetininga, comprada a Simão Barbosa Franco, distante da Villa duas léguas pouco mais ou menos, o qual campo se acha cercado de dois Ribeirões, um que divide o supplicante de Pedro da Silva Chaves e João de Araújo e outro que divide também o supplicante de Estanislau de Campos e José Gonçalves, chamado Ribeirão do Tatuhy, o qual leva em si um restingão grosso de matto devoluto que terá de largura ¾ pouco mais ou menos (L.. 20, Fl. 32);
· Miguel João de Castro, Raphael Alves de Castro, José Paes de Camargo, Antonio da Rocha, Manoel Manso e Francisco Xavier Monteiro, da Villa de Porto Feliz. Légua e meia de terras de testada e uma de sertão sobre a margem do rio Sorocaba, tendo princípio a testada na barra do Ribeirão Guararapo e descendo por elle abaixo até a ilha denominada da Cachoeira com os ventos mais covenientes e as pontas e enseadas que tiver do lado esquerdo com as mesmas confrontações, até entestar com as terras do Alferes José Antônio Paes, principiando estas medições do rio Sorocaba, subindo rio acima da parte direita (L. 32, Fl. 4);
· João Antonio de Sampaio, morador em Porto Feliz. Três léguas de testada com uma de sertão na Villa de Itapetininga, alem do rio Sorocaba, principiando a testada na quadra ou linha de fundo da sesmaria do fallecido Miguel João. (L. 41, Fl. 4 v);
· Antonio Rodrigues da Costa, Norberto Pires da Veiga, Jacintho José da Rocha, Paulo Maria, José Mendes, Ignácio Mendes, Felis Mendes e Joaquim Rodrigues Leite, moradores da Villa de Porto Feliz. Uma fazenda no destricto de Itapetininga, do outro lado do rio Sorocaba no logar denominado tatuhy e entre as sesmarias do tenente coronel Matheus da Silva Bueno, João Antônio Leite, André de Almeida Falcão e os religiosos do Convento do Carmo da Villa de Itu, e do rio Sorocaba, a qual poderá ter três légua e meia pouco mais ou menos em quadra (L. 41, Fl. 140 v).
· Manoel Garcia Leal, Antônio Garcia Leal, Antônio Mariano de Toledo, Ignácio Mendes de Camargo e Felix Mendes de Camargo – uma sorte de terras na confluência do Ribeirão Tatuhy, em o das Pederneiras Negras em ambas as margens deste, no destricto da Villa de Itapetininga, a rumo de Norte Sul, começando o rumo da sesmaria de Tatuhy, que possuem os Religiosos do Carmo de Itú e seguindo para o mencionado Ribeirão deste nome, por elle até a estrada, em ambas as margens do dito Pederneiras, com uma legua de sertão (se houver) por este acima procurando a estrada que segue para a fazenda do Paiol, servindo esta de divisa. (L.41, fl.136v);
· André de Almeida Falcão - morador da Villa de Porto Feliz, uma légua de terras em quadra no destricto da Villa de Itapetininga, no logar Guararapo e bem assim, mais terrenos que existirem entre as sesmarias de João Antônio e Miguel João Castro e os rios Guararapo e Sorocaba (L. 41, fl. 136);
A primeira ao sul da sesmaria de Antônio Bicudo de Barros.
A segunda se encontra ao sul da primeira.
A terceira segue da foz do rio Guarapó no Sorocaba, rumando o norte, por Cesário Lange e Boituva.
A quarta provavelmente era na parte sul da quinta, no bairro Guarapó de Tatuí, ou então para os lados de Boituva.
A quinta deve se encontrar perto do começo da Estrada Tatuí-Quadra, no trecho que é SP-129, mostrando muito bem quem eram seus limítrofes. Vale dizer que Antônio Rodrigues da Costa abriu uma estrada, ligando Porto Feliz até Tatuí, pelos “campos do Bemfica”, e também foi procurador do Brigadeiro Jordão, nas vendas de parte de suas terras da antiga sesmaria dos Carmelitas, “do lado direito do patrimônio, e isoladas do Paiol”, ou seja, no extremo leste de Tatuí.
A sexta talvez esteja ao lado direito da sesmaria do Cel. Matheus da Silva Bueno.
A sétima estava entre os rios Aleluia, Guarapó e Turvo, em Cesário Lange.
Talvez o Ignácio e o Felis sejam os mesmos que obtiveram sesmarias na Quadra, citados anteriormente, ou sejam os de sobrenome Mendes de Almeida. Ou ainda, mesmo sendo desta última família, ainda sejam os mesmos das sesmarias da Quadra (Mendes de Camargo). O mesmo vale para o tal José Mendes.

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