quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O começo do começo do começo

Este post diz respeito à história da região onde hoje se situa Quadra, abrangendo desde o período mais antigo que se possa saber até o final dos anos de 1700 e começo dos anos de 1800.
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Onde hoje se localiza o município de Quadra e também Tatuí e algumas abrangências era uma região conhecida por "Paiol", e assim era chamada pela fertilidade de suas terras e pelos barreiros com sais necessários para a criação de gado bovino.
Por ela cortava uma velha estrada que tinha por rumo Botucatu - ou Invutucatu, ou Hybyticatu, ou Imbitucatu, como era conhecida a região de Botucatu, na época. Esta estrada, provavelmente, era uma ramificação do Caminho do Peabiru.
Em resumo, o Peabiru era uma estrada que ligava principalmente o litoral sul de São Paulo até o Peru. No Brasil, ela vinha pelo norte do Paraná e entrava no estado de São Paulo pela região que vai dar em Itapetininga e rumo à Sorocaba. Provavelmente era utilizada pelos Incas, para atingir o Oceano Atlântico e estabelecer contato de escambo com as tribos indígenas brasileiras.
Não se tem conhecimento de índios especificamente na região de Quadra, mas há relatos de pontas de flechas encontradas no caminho entre Tatuí-Guareí (em Quadra, Estrada Jacira Siqueira Rodrigues).
Há depoimentos de que, quando foi construída a fábrica da Santista Têxtil (antiga Alpargatas), foram encontrados restos indígenas.
Em Guareí certamente havia índios, provavelmente Kaingang, como os da região de Botucatu.
Estes índios foram catequisados por padres da Companhia de Jesus, os Jesuítas, ainda na fase do "Brasil Colônia".
Estes Jesuítas obtiveram suas sesmarias em 1723, sendo uma parte pedida pelo padre jesuíta Estanislau de Campos e outra doada por seu irmão, José de Campos Bicudo.
Mesmo estando estas sesmarias em terras consideradas espanholas, o Governo Português queria fomentar a colonização daquela área, e concedeu terras naquela região.
Porém, os Jesuítas foram expulsos do Brasil, então colônia portuguesa, em 1759, por ordens do Primeiro Ministro português Marquês de Pombal, como punição ao "Processo dos Távoras".
Há uma história, que ouvi durante uma de minhas entrevistas à antigos moradores de Quadra que, conta uma lenda a origem do nome do maior dos tanques do Rio Pederneiras, na divisa de Quadra com Tatuí, que é conhecido por alguns poucos ainda como "Tanque dos Padres".
Quem me relatou disse que "os padres da Companhia, que eram muito maus, foram expulsos de Guareí, e foram escondendo seus tesouros pelo seu caminho de fuga, e um dos lugares foi neste tanque".
Quando escutei esta história, fiquei surpreso que alguém pudesse me contar alguma coisa sobre o que aconteceu 250 anos atrás. Depois eu expliquei a ele quem eram estes padres e o porquê foram expulsos. Assim como a história é sempre escrita pela parte que vence, deve ter chegado a ele a versão de que estes padres eram maus. Mas, apesar das evidências, infelizmente isso ainda não passa de um "causo".
Bom, voltando ao assunto, estes padres, nestas sesmarias, formaram duas fazendas, que se chamavam Santo Inácio (ou Botucatu) e Aterradinho de Botucatu (ou Guareí). Essas fazendas eram gigantescas. As duas, somadas, iam de Botucatu até Angatuba, tendo por divisa, em certo trecho, o Rio Guareí, sendo que a atual parte norte da cidade de Guareí fazia parte destas terras.
Assim que os Jesuítas foram expulsos, seus bens foram confiscados pela Coroa e, tardiamente, vendidos, em 1777, ao Capitão Paulino Aires de Aguirre e ao Sargento-Mor Manuel Joaquim da Silva e Castro.
Porém "os arrematantes não conseguiram posse imediata da Boa Vista, pela feroz resistência imposta pelos índios aldeados e ocupantes das terras, tomadas apenas em 1780, pelo Coronel Francisco Manuel Fiúza" - ou seja, o então já conhecido como truculento bugreiro Cel. Fco. Manuel Fiúza fez uma faxina étnica de índios para depois entregar a fazenda aos seus donos.
Desta forma, supõe-se que a história dos indígenas de nossa região tenha terminado nesta época, embora muitas pessoas de nossa região ainda apresentem traços físicos indígenas, devido à miscigenação em alguma época.
Há histórias de um antigo cemitério indígena em Guareí, e isso ainda é bastante conhecido dos moradores mais velhos.
Mas, voltando a falar sobre a "região do Paiol", havia uma sesmaria doada à José Campos Bicudo, em 24/03/1723, que começava na "barra do Rio Tatuí" e se estendia até a parte sul do município de Guareí.
Uma parte desta sesmaria foi doada aos Frades da Terceira Ordem do Carmo - os Carmelitas - , de Itu.
Seus limites eram: o rio Tatuí desde sua nascente até a sua foz, no rio Sorocaba; pelo rio Sorocaba abaixo até a foz do rio Guarapó; pelo rio Guarapó acima, até a serra da Campininha - morros que dividem Quadra com Guareí e Tatuí e servem como divisor de água entre as bacias do rio Tietê e do rio Paranapanema - ; e pela serra da Campininha até a nascente do rio Tatuí.
Outra parte desta sesmaria foi considerada abandonada e devolvida à Coroa Portuguesa, como mandava a Lei das Sesmarias, e se localizava na parte sul de Guareí. Foi doada, então, ao Sargento-Mor Estanislau de Campos Arruda, que pôs, como nome, Fazenda Guareí.
Os carmelitas se instalaram num casarão em frente de onde hoje se situa a Estação Dr. Laurindo, num lugar chamado "Sumidouro",em Tatuí, e num lugar próximo ao povoado de "São João do Bemfica".
Os carmelitas foram vendendo as suas terras do lado oeste da sesmaria e ficaram com uma área reduzida ao que, mais ou menos, é a área urbana de Tatuí. No que ainda sobrou de terras, eles arrendaram uma parte para Antônio Xavier de Freitas e Jerônymo Antônio Fiúsa, ao qual foram juntando antigos moradores do São João do Bemfica.
O povoado de São João do Bemfica, criado pelos anos de 1680, foi extinto por Ordem Real, para que toda a área ao seu redor servisse para a extração de madeira para a alimentação dos fornos da Real Fábrica de Ferro de São João do Ipanema.
Desta forma, boa parte de seus antigos moradores foram para umas terras onde os carmelitas lhes permitiram que fosse construída uma capelinha .
Porém, houve tanta briga entre os colonos e os padres, por causa da posse da terra nos arredores, que foi feita uma solicitação ao Governo Imperial para a desaprprieação de um quarto de légua para a demarcação da vila da freguesia de Nossa Senhora de Conceição de Tatuhy, em 1824.
Desgostosos com a situação, os carmelitas venderam o restante de sua semaria ao Brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão, e voltaram ao Convento do carmo de Itu, no mesmo ano.
Na parte oeste da antiga sesmaria dos carmelitas, que já tinha sido vendida anteriormente, no início do século passado ainda podiam ser encontrados restos de uma fundações que os mais antigos moradores daquela época falaram que era um mosteiro.
Estes restos foram sendo destruídos aos poucos, com a lavração da terra para o plantio, e hoje não há mais nada.
Ele se situava a alguns metros da Via Joaquim Rodrigues, no bairro do Tijuco Preto, depois da ponte sobre o ribeirão Guaraná, uns 800 m a frente, do lado direito, sentido Guareí.
Este possível mosteiro deveria ter sido construído entre 1723 (a data da concessão da sesmaria aos padres) e começo dos 1800 (quando venderam estas terras).
Porém, no início dos anos de 1800, ou um pouco antes, começaram a ser doadas sesmarias na outra margem do rio Guarapó, onde situa-se 4/5 das terras do município de Quadra, mas abordaremos isto no próximo post.

Um comentário:

Anônimo disse...

passei para deixar minhas considerações. As opiniões, prefiro aguardar.
De qualquer modo gostei muito, gosto de sua escrita e gosto da iniciativa histórica. somos humanos por nossa memória.
Parabéns, abraços e voltarei sempre.